NOTA: O termo ‘propaganda’ é usado aqui com o sentido de ‘doutrinação’.
Na medida em que a propaganda* se baseia em notícias atuais, ela não permite tempo para pensar nem refletir. Um homem envolvido pelas notícias deve permanecer na superfície do evento; ele é levado pela corrente e não pode, em nenhum momento, fazer uma pausa para julgar e apreciar; ele nunca pode parar para refletir. Jamais há consciência — de si mesmo, de sua condição, de sua sociedade — para o homem que vive de acontecimentos atuais. Tal homem nunca para para investigar ponto nenhum, assim como também não conectará uma série de acontecimentos noticiosos. Já mencionamos a incapacidade do homem de considerar vários fatos ou acontecimentos simultaneamente e de fazer uma síntese deles para enfrentá-los ou opor-se a eles. Um pensamento afasta outro; fatos antigos são perseguidos por novos. Nessas condições, não pode haver pensamento. E, de fato, o homem moderno não pensa sobre os problemas atuais; ele os sente. Ele reage, mas não os compreende, tampouco se responsabiliza por eles. Ele é ainda menos capaz de perceber qualquer inconsistência entre fatos sucessivos; a capacidade do homem de esquecer é ilimitada. Este é um dos pontos mais importantes e úteis para o propagandista, que sempre pode ter certeza de que um determinado tema, declaração ou evento de propaganda será esquecido em poucas semanas. Além disso, há uma reação defensiva espontânea no indivíduo contra o excesso de informação e – na medida em que se apega (inconscientemente) à unidade de sua própria pessoa – contra inconsistências. A melhor defesa aqui é esquecer o acontecimento anterior. Ao fazê-lo, o homem nega sua própria continuidade; na mesma medida em que vive na superfície dos acontecimentos e transforma os eventos de hoje a sua vida, ao apagar as notícias de ontem, ele se recusa a ver as contradições em sua própria vida e se condena a uma vida de momentos sucessivos, descontínuos e fragmentados.
Essa situação torna o “homem dos acontecimentos atuais” um alvo fácil para a propaganda. De fato, tal homem é altamente sensível à influência das correntes atuais; sem pontos de referência, ele segue todas as correntes. Ele é instável porque corre atrás do que aconteceu hoje; ele se relaciona com o acontecimento e, portanto, não consegue resistir a nenhum impulso vindo desse acontecimento. Porque ele está imerso nos assuntos atuais, esse homem tem uma fraqueza psicológica que o coloca à mercê do propagandista. Nunca há confronto entre o acontecimento e a verdade; nunca existe relação entre o evento e a pessoa. Informações reais nunca dizem respeito a essa pessoa. O que poderia ser mais impressionante, mais angustiante, mais decisivo do que a divisão do átomo, além da própria bomba? No entanto, mantém-se esse grande acontecimento em segundo plano, por trás do resultado fugaz e espetacular de alguma catástrofe ou acontecimento esportivo, porque essa é a notícia superficial que o homem comum deseja. A propaganda se dirige a esse homem; como ele, ela só pode se conectar ao aspecto mais superficial de um acontecimento espetacular, somente esse pode interessar ao homem e levá-lo a tomar uma determinada decisão ou adotar uma determinada atitude.
Mas aqui devemos fazer uma ressalva importante. O fato noticioso pode ser um fato real, com existência objetiva, ou pode ser apenas uma informação, a disseminação de um suposto fato. O que a torna notícia é sua disseminação, não sua realidade objetiva.
Jacques Ellul, Propaganda: A Formação das Atitudes dos Homens (1962)
Ni livro Propaganda: a formação das atitudes dos homens, Jacques Ellul argumenta que a propaganda moderna visa provocar ação em vez de modificar ideias, explorando a tendência humana de reagir aos eventos atuais sem reflexão nem análise crítica. Este contexto é crucial porque enquadra a discussão em torno de como os meios de comunicação e o discurso político podem manipular a percepção pública, concentrando-se em questões imediatas e superficiais ao invés de problemas mais profundos e sistêmicos.
Existe a tendência de figuras políticas e da mídia em destacar questões simbólicas ou periféricas ao mesmo tempo em que ignora problemas sociais mais prementes. Ellul observa que a propaganda geralmente distrai das questões reais ao enfatizar o espetáculo sobre a substância, um fenômeno apoiado por estudos sobre moldagem de mídia e teoria de definição de agenda, que mostram como a mídia pode influenciar as prioridades públicas.
A menção do “homem da atualidade” estar à mercê dos propagandistas por falta de reflexão crítica é particularmente relevante hoje, pois as redes sociais amplificam este efeito.
Uma pesquisa do Pew Research Center indica que ciclos rápidos de notícias e algoritmos de mídia social priorizam o engajamento em detrimento da profundidade, muitas vezes levando a uma compreensão fragmentada de questões complexas, que podem ser exploradas por propagandistas para manter o controle sobre o discurso público.

* Propaganda, aqui é usada no sentido original de “propagar” uma ideia, “qualquer movimento ou organização para propagar alguma prática ou ideologia” (1790).
O sentido político moderno (“divulgação de informações destinadas a promover um ponto de vista político”) data da Primeira Guerra Mundial, originalmente não pejorativo ou implicando preconceito ou engano deliberado.
O significado de “material ou informação propagada para promover uma causa, etc.” é de 1929.
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Martin de Arriba.
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